Por que o Brasil nunca ganhou um Nobel? Uma dica: é por causa do ensino público
Uma história de como o ensino público do Brasil atrapalha o seu desenvolvimento científico e impede que o país inove
Todo ano, em outubro são anunciados os ganhadores do Prêmio Nobel, divididos em 6 categorias: Prêmio Nobel Paz, de Literatura, de Física, de Medicina, de Química e Prêmio Nobel de Ciências Econômicas. Este ano 12 pessoas foram contempladas:
- Prêmio Nobel de Medicina: Mai-Britt Moser, Edvard I. Moser e John O’Keefe. (Noruega e EUA)
- Prêmio Nobel de Física: Shuji Nakamura, Hiroshi Amano e Isamu Akasaki. (EUA e Japão)
- Prêmio Nobel de Química: William E. Moerner, Eric Betzig e Stefan Hell. (EUA e Alemanha)
- Prêmio Nobel de Literatura: Patrick Modiano. (França)
- Prêmio Nobel de Ciências Econômicas: Jean Tirole. (França)
- Prêmio Nobel da Paz: Kailash Satyarthi e Malala Yousafzai. Kailash. (Índia e Paquistão)
A entrega dos prêmios Nobel evidencia o déficit educacional no Brasil, não só na questão quantitativa, mas principalmente na qualidade da educação brasileira. A América Latina como um todo apresenta muita dificuldade em ser premiada, mas o Brasil consegue passar um verdadeiro vexame. Poucos incentivos à pesquisa, falta de programas de financiamento e déficit de professores com doutorado dentro de universidades focadas em pesquisa são apenas a ponta do iceberg da ineficácia da nossa educação.
Somos 200 milhões, quase 3% da população mundial e, segundo as leis de estatística e probabilidade, ao menos 25 brasileiros já deveriam ter sido premiados. Mas até agora nada. O prêmio, distribuído pela primeira vez em 1901, agraciou 840 organizações e pessoas. Nenhum brasileiro*.
É consenso na área de que houveram algumas injustiças, como em 1950, quando a descoberta da “partícula subatômica méson pi” liderada pelo paranaense César Lattes foi premiada, mas apenas o britânico Cecil Powell, que ajudou na redação do estudo, foi citado. E também o emblemático caso de Carlos Chagas, único cientista até hoje a identificar todo o ciclo de uma doença (o mal de Chagas) e que chegou a ser indicado 4 vezes para o Nobel de medicina, mas que teria sido barrado por questões políticas “eurocêntricas” na época.
Estes casos não podem ser esquecidos, porém eles não minimizam o descaso com que a educação brasileira é tratada. Somos o único membro dos BRICS que nunca levou a premiação. Na América Latina, a Argentina ganhou 5, o México 3 e o Chile 2 vezes.
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Chipre, Trinidad e Tobago, Guatemala e Timor Leste são exemplos de países muito menores que o Brasil em praticamente qualquer métrica (território, população, PIB…) e que já ganharam o prêmio Nobel. Até 2 prêmios, como no caso a Guatemala. Sim, a Guatemala, aquele pequeno país na América Central, menor que o Acre e com população menor que a cidade de São Paulo têm 2 prêmios Nobel, e o Brasil, esse país continental, potência regional, 7ª maior economia do mundo, e que exala políticas públicas eficientes, nada.
É claro que algumas dessas premiações, se referem ao Nobel da Paz e ao da Literatura, que não avaliam contribuições científicas, mas ainda assim causa enorme estranhamento o Brasil não ter um mero representante entre os ganhadores. Vale lembrar que Dom Helder Câmara também foi indicado ao Nobel da Paz, mas não ganhou (dizem as más línguas que o governo Médici mandou seu embaixador na Noruega ter uma conversa com o comitê de escolha, demonstrando o descontentamento do governo com uma possível vitória de um de seus maiores críticos).
As premiações de cunho científico retratam com fidelidade a organização e excelência do ensino acadêmico nas diversas regiões do mundo. Obviamente há uma diferença de investimento na educação destes diversos países que também pesa nas conquistas científicas, mas ainda mais do que isso, prevalece a falta de qualidade do ensino brasileiro, penosamente custeado pelos nossos impostos.
Para o pavor dos revolucionários, os terríveis imperialistas comedores de criancinhas Estados Unidos, são os campeões com 353 prêmios Nobel (em torno de 30% do total).
Mas afinal, qual a diferença entre o ensino norte-americano e o nosso?
Bem, para começar essa mentalidade de que a graduação é o caminho natural de todos os alunos que saem do ensino médio não existe por lá. Muito menos a de que o imposto alheio deve custear as estruturas físicas das universidades e as mensalidades dos alunos. O ensino universitário norte-americano é predominante financiado por recursos privados.
Até mesmo as universidades públicas norte-americanas cobram taxas de anuidade, a Universidade da Virgínia, considerada a melhor universidade pública dos EUA cobra uma anuidade de 22,5 mil dólares se for residente do estado ou 46 mil dólares se vier de outro estado. As universidades mais aclamadas como Yale, Columbia e Harvard cobram em torno de 55 mil dólares por ano.
Um modo de oferecer a oportunidade de graduar a alunos que não podem pagar as pesadas mensalidades, são as bolsas de estudo oferecidas pelas próprias faculdades e por instituições privadas (que não são poucas), tanto para alunos com médias acadêmicas altas, quanto para atletas que se destacam no ensino médio.
Cobrando estes preços e oferecendo bolsas para os melhores, as universidades norte-americanas conseguem atrair os melhores alunos e ao mesmo tempo colocar a disposição deles o que existe de melhor em infra-estrutura de laboratórios, centros de pesquisa de ponta, e ainda pagar os melhores professores (alguns deles ganhadores do Nobel) para auxiliarem nas pesquisas. Além disso, há diversos incentivos da própria universidade para a realização e o engajamento dos alunos em projetos de pesquisa, pois além de contar com orçamento próprio, as universidades ainda fazem parcerias com setor privado que, em alguns casos, ao invés de montar seus próprios centros de pesquisa, financiam alunos que propõe investigações úteis ao setor.
É importante salientar que, mesmo cobrando preços considerados altos para os padrões brasileiros, e priorizando a qualidade do ensino em detrimento da quantidade de alunos, 42% dos norte-americanos têm ensino superior, enquanto no Brasil essa porcentagem é de apenas 11%.
América Latina
Nas últimas duas décadas, o número de inscritos em universidades latino-americanas duplicou e a quantidade de trabalhos científicos criados a partir de centros de pesquisa latino-americanos foi 6 vezes maior, chegando a 4,3% do total de estudos publicados no mundo.
“A má notícia é que a quantidade não veio acompanhada da qualidade” comenta Jorge Balan, sociólogo argentino e especialista em educação universitária na Universidade de Columbia em Nova York. Ele analisa:
“Temos mais cientistas que no passado, mais faculdades de tempo integral, mais preparadas e que aumentaram sua produção, mas a qualidade das pesquisas ainda não é tão bem avaliada pelos padrões internacionais”.
As universidades da América Latina estão em sua maioria ausentes dos rankings internacionais, e mesmo aquelas que se destacam ainda estão longe do nível das melhores universidades do mundo. No último ranking publicado pela Times Higher Education, nenhuma universidade latino-americana figurava entre as 200 melhores. A mais bem avaliada é a USP, em 225º.
Os latino-americanos ganharam prêmios Nobel da Paz e da literatura 14 vezes, mas só 7 em áreas como física, química, medicina e economia.
A “fuga de cérebros” também é um grave problema, com os melhores talentos migrando para a Europa e os Estados Unidos. Philip Altbach, diretor do Centro Internacional para a Educação Superior de “Boston College” afirma:
“Em grande parte da América Latina, a profissão acadêmica não é em tempo integral. Muitos professores que não tem empregos integrais acabam tendo que ter outros empregos para sobreviver. Não se pode construir uma boa universidade sem professores de tempo integral, isso não pode ser ignorado”
O sistema “darwiniano” das faculdades latinas
Em países como a Argentina e o México, o ensino superior é planejado em torno de universidades públicas que oferecem educação gratuita ou de baixo custo para qualquer um que atenda a requisitos básicos. O resultado não poderia ser outro: a Universidade de Buenos Aires e a Universidade Nacional Autônoma do México são grandes instituições, com centenas de milhares de alunos, muitos dos quais não se graduam, um sistema que Altbach qualifica como “darwiniano”, lembrando a seleção natural do nosso querido Darwin.
A pesquisadora da USP e especialista no tema Elizabeth Balbachevsky também critica o modelo latino de ingresso:
“Na China, as vagas do ensino superior são todas particulares. Na Rússia, uma parte importante das matrículas é paga, mas esses países desenvolveram um esquema sofisticado de financiamento e apoio ao estudante. O modelo de ensino superior público e gratuito para todos, independentemente das condições da família, é um modelo que tem se mostrado inviável em muitos países”
Apenas 25% dos estudantes admitidos se graduam na Argentina. No México, o número é de 30%. Nas universidades federais no Brasil, atualmente a evasão anual têm estado em torno de 13%.
“Se tem feito um investimento maciço na melhoria do ensino superior, mas a prioridade tem sido a tônica do acesso, construindo instituições, e criando mais acesso a mais pessoas”, afirma Altbach.
Ele defende que, se tratando de um momento em que a região luta para combater desigualdades históricas, é necessário diversificar o sistema, com mais instituições privadas, mais cursos técnicos e instituições de ensino espalhadas pelos diversos bairros e comunidades das cidades, para aqueles que não querem ou não precisam de diplomas universitários tradicionais. Segundo ele, faltam também mais recursos para pesquisas, provindos principalmente do setor privado, que atualmente pouco investe nas instituições latino-americanas.
Brasil
Nos últimos anos, algumas iniciativas interessantes parecem começar a ter algum efeito em terras tupiniquins, mas ainda são respaldadas pelo setor público e financiadas com o dinheiro do contribuinte, em São Paulo, que 1% dos impostos sobre rendimentos vão para a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), permitindo o financiamento (ainda que público) de projetos de alto nível.
O Rio de Janeiro também apresenta avanços na área, como o IMPA (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada), onde um de seus pesquisadores, Artur Ávila, de 35 anos, no mês passado tornou-se o primeiro latino-americano a receber a medalha Fields, o prêmio mais prestigioso na área e considerada por alguns como o “Nobel” da matemática.
O próximo passo está no abandono das políticas populistas e no investimento inteligente (ou seja, não-estatal), focando principalmente nas parcerias com setor privado, o que é ainda é escasso na comparação com outros países que têm obtido sucesso. E principalmente, desvencilhando nossas universidades da mão pesada e burocrática do Estado e, consequentemente mudando a fonte de financiamento do setor público para o privado, enxugando as contas do Estado e aliviando nossa carga tributária.
A USP não precisa ter um déficit de R$ 1,15 bilhão.
O governo do Paraná não precisa jogar no lixo R$ 568 milhões por causa da evasão de alunos.
As universidades públicas, que representam menos de 2% das matrículas da educação no Brasil, não precisam receber 29% do investimento público em educação.
O custo por aluno do setor público no Brasil não precisa ser o dobro da média dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
E um aluno universitário do setor público não precisa custar quase 10 vezes mais do que o similar no setor privado.
Isso tudo para passar a vergonha que a gente passa em termos de qualidade da educação. Temos tido alguns avanços extremamente relevantes que inclusive já apresentaram resultados satisfatórios, porém a estrada é longa e estamos muito atrás. Se não limitarmos a influência de governantes nessa área e colocarmos na mão de indivíduos e organizações independentes do setor público, podemos colocar tudo a perder. Afinal, você lembra quando a sociedade tinha um problema e o Estado interviu sem criar outros mais? Eu também não.
*Ganhador do Nobel de Medicina em 1960, o zoólogo Peter Medawar, filho de mãe inglesa e com dupla-cidadania, nasceu no Brasil, onde morou até os 14 anos, quando sua família voltou para Inglaterra. Porém ao pedir de dispensa do exército para continuar seus estudos, foi negado e por ter se recusado a voltar para o Brasil para servir, teve sua cidadania brasileira “caçada”. Quando ganhou o Nobel, já não tinha cidadania brasileira e o prêmio foi creditado à Inglaterra. É incrível que o governo brasileiro nunca decepciona, desde sempre tomando atitudes inteligentes.
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