quinta-feira, 2 de março de 2017

Alteridade

A vida social em nosso mundo contemporâneo é bastante agitada, concorda? Em nossa convivência urbana, em que milhares de pessoas habitam um mesmo espaço, separadas, muitas vezes, apenas por finas paredes, mesmo quando não queremos, acabamos por ter que interagir com os “outros” de alguma forma.
Mesmo sem percebermos ou ainda sem dizer uma única palavra, ao nos confrontarmos com o estranho, o não familiar, de alguma forma, nossas condutas, ações e pensamentos moldam-se a partir dessa interação. Essa interação entre o “eu”, interior e particular a cada um, e o “outro”, o além de mim, é o que denominamos de alteridade. Esse conceito parte do pressuposto de que todo indivíduo social é interdependente dos demais sujeitos de seu contexto social, isto é, o mundo individual só existe diante do contraste com o mundo do outro.
O antropólogo brasileiro Gilberto Velho elucida: “A noção de outro ressalta que a diferença constitui a vida social, à medida que esta efetiva-se através das dinâmicas socais. Assim sendo a diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito.”* Simplificando, Gilberto Velho mostra de que forma a interação entre a parte íntima e interior do indivíduo e o outro forma o cerne da vida social. Ao interagirem, os indivíduos reafirmam o que faz parte de si mesmo e o que faz parte do mundo externo.
Esse processo de diferenciação é parte também da construção da identidade do sujeito, que se molda a partir da distinção entre “o que eu sou” e “o que eu não sou”. Esse ponto leva-nos ao problema fundamental da questão: a impossibilidade da existência do eu-individual sem o conflito com o diferente, o estranho, o outro.
A ideia da alteridade é tratada por algumas disciplinas distintas, sendo a Psicologia, a Filosofia e a Antropologia as principais. Emboras suas abordagens sejam diferentes, o conflito entre o mundo interno e o mundo externo sempre está em questão.
Para a Psicologia, trata-se do processo de formação psíquica do ser humano. Lev Semenovitch Vygotsky é um dos autores da psicologia que se dedicaram ao estudo do complexo processo de formação e do desenvolvimento humano. A atividade humana no meio social é o principal impulso que movimenta todo o processo de formação da psiquê humana. Nesse sentido, o teórico aproximava-se e concordava em vários aspectos com a teoria marxista acerca do mundo social e das implicações da ação humana em seu meio. Vygotsky afirmava isso baseado na ideia de que é pela interação social que o sujeito constrói-se como indivíduo diante do confronto com o mundo externo. Em suma, ao distinguirmos aquilo que não somos, também determinamos aquilo que somos.
Para a Antropologia, a alteridade volta-se para a observação do contato cultural entre grupos étnicos diferentes e dos conflitos consequentes que se desenvolveram sob diferentes perspectivas. A descoberta do “Novo Mundo”, isto é, o início da colonização europeia nas Américas, parece ser o ponto de partida para os questionamentos que envolvem a ideia de alteridade. O encontro com o “outro” é marcado pelo medo e pelo fascínio, pela distinção clara entre o que é estranho e o que não é. O contraste cultural, de certa forma, acaba fortalecendo a noção de que “aquilo que sou é diferente daquilo que não sou”, o que, em outras palavras, significa dizer que o mundo estranho é um enorme espelho que reflete o que é familiar ao destacar tudo aquilo que nos é estranho.

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